NÓS & ÁGUA - CONTO
CAPA MERAMENTE ILUSTRATIVA.
CAPÍTULO 1
Tão distante
Eu havia me levantando super cedo para ir ao trabalho. Era minha
segunda semana como secretária em um escritório de advocacia no centro da
cidade onde morava. Moro sozinha e finalmente podia fazer tudo o que me viesse
à cabeça, poderia tomar conta de meu próprio nariz e fazer minhas próprias
escolhas, me responsabilizando pelos meus atos. Desde os quatorze anos, eu
sempre me vi como a dona do mundo, a dona da razão, nunca podia estar errada!
Apenas por isso, já era um motivo para discussões. Sim, eu era um adolescente
insuportável, mimada, e cheia de defeitos como todo mundo, peitava qualquer um
que aparecesse em minha frente sem medo.
Quando fiz meus dezoito anos, dei graças a Deus por ter mudado o
meu jeito de ser. Não que eu quisesse mudar para agradar, mas é que ao passar
dos tempos você vai crescendo, vai conhecendo pessoas e culturas diferentes,
jeitos e modos distintos de pensar e agir. Chega uma hora em que você, para e
pensa no que quer realmente para sua vida, e nessa hora você amadurece e
percebe o real sentido da vida.
Hoje em dia, eu me
pergunto e até comento com meus melhores amigos de que adiantou ser dura, fria,
seca e revoltada com as pessoas ao meu redor. Nada. Nada adiantou, era apenas
uma fase revoltada em que eu me encontrava querendo fuzilar todo o mundo – sem exceções.
Se bem que tudo isso tinha um motivo. O mal dos quinze anos. É assim que eu me
refiro quando falo do primeiro amor e da primeira relação. É claro que houve
bons momentos, mas estranhamente, não sabia o porquê aquilo me atormentava
tanto, somente os momentos desagradáveis que passamos juntos retornavam em
minha mente turbulenta.
Eu olhava pela janela do
prédio, o céu estava negro e repleto de nuvens pesadas e densas. A chuva caia
descontroladamente, e eu me peguei pensando em como faria para ir embora – meu
carro estava no conserto. Para tudo havia uma solução, então decidi pegar um
ônibus para voltar para casa ao fim de meu expediente. O terminal urbano não
ficava tão longe assim, conseguiria descer a pé e apanhar o coletivo. Se isso
estivesse acontecendo naqueles tempos em que eu estava revoltada, certamente
iria ligar para meus pais e pedir que me buscassem, como eu dizia naquela
época: “Preciso que alguém venha me buscar, agora! Não vou descer nessa chuva e
muito menos me molhar.” Sim, eu era uma completa idiota.
Ao passar do dia, a chuva
parecia aumentar cada vez mais e aquilo começava a me atormentar. Quando bati
os olhos no relógio, percebi que havia chegado a hora de ir para casa, uma
sensação de alívio e de dever cumprido me envolveu. Eu havia conseguido fazer
tudo o que meu chefe havia ordenado: organizado as pastas e feito dois
relatórios sobre a última semana do escritório. Tudo estava feito, e o fim de
semana me aguardava. Eu iria pegar o carro e ir para a casa de campo dos meus
avôs no Sul de Minas Gerais em uma pequena cidade chamada Caldas, onde – graças
ao meu avô, muito conhecido – conheço muitas pessoas e tive o prazer de
conquistar grandes amizades. Amizades essas, que com certeza são para a vida
toda, sem sombra de dúvida. Guardei as pastas e documentos dentro de minha
bolsa e desliguei o computador. Já estava quase anoitecendo quando fechei o
escritório.
Humberto, meu chefe havia
saído horas mais cedo, pois teria uma reunião e em seguida uma viagem com sua
esposa e seus dois filhos gêmeos. Eu sorria só de imaginar o meu fim de semana
se aproximando cada vez mais. Reencontrar com meus familiares e amigos que não
os via há um bom tempo era uma sensação inexplicável. A chuva tinha
aumentado mais. Passei uma blusa de moletom pela cabeça e corri para baixo de
um toldo de uma dessas lojas de manutenção de computadores que ficava bem em
frente ao meu local de trabalho. Do jeito que aquela chuva estava caindo, não
tinha como sair correndo pelas ruas para chegar até o terminal urbano, se o fizesse
mesmo assim chegaria toda ensopada ao meu destino, e se molhasse as pastas
dentro da bolsa, acho que perderia o meu emprego no dia seguinte. Os minutos se
passaram rapidamente sem que eu percebesse que já eram quase oito horas da
noite. Mandei um torpedo de boa noite para minha melhor amiga e esperei por sua
resposta. A cada segundo que passava parecia que aquela chuva aumentava mais e
mais, diversas vezes eu tentei sair correndo, mas algo me prendia àquele lugar.
A chuva diminuía um pouco e lá ia eu tentar ir embora para casa, quando de
repente ela voltava a cair torrencialmente me fazendo ficar onde estava. Eu
respondia há um torpedo de Alice quando ele me chamou:
─ Você vai descer para o
terminal urbano também? ─ ergui os olhos e encontrei os deles me encarando
instintivos. Ele era alto, não muito magro e aparentava ter uns vinte e seis
anos, olhos castanho-esverdeados e sorria. Um sorriso lindo por sinal. Ele
segurava um guarda-chuva preto para se proteger da chuva que ainda caia
fervorosamente.
─ Vou sim. ─
respondi timidamente.
─ Quer vir comigo? ─ ele
perguntou indicando que ainda havia espaço para mais um embaixo de seu
guarda-chuva extragrande.
─ Posso?
─ Claro. ─ balbuciou ele.
Guardei o celular em minha bolsa e esqueci-me de terminar de responder ao
torpedo de Alice. Corri para baixo do guarda-chuva e assim descemos pela rua
iluminada. ─ Sempre tem espaço para mais um. Saindo do trabalho agora? ─ ele
puxou conversa.
Estava envergonhada demais
para puxar algum tipo de assunto. Sempre fui péssima com isso.
─ Sim, dia cansativo. ─
respondi simpática. ─ E você?
─ Também, o dia foi mesmo
muito cansativo... essa vida de professor ainda vai acabar comigo. ─ ele
brincou conseguindo me arrancar um sorriso sincero.
─ Um bom vinho tinto ao
som de Would It Matter,
minha música preferida. É tudo o que preciso para descansar do trabalho e
espairecer um pouco.
─ Ainda não me disse seu
nome. ─ ele me lembrou. Eu sorri.
─ Prazer, Flávia
Albuquerque. ─ eu me apresentei enquanto continuava a andar.
─ O prazer é todo meu... ─
ele parou de repente, e me encarou profundamente. ─ Rafael Macário, professor
de Biologia.
─ Eu gosto de Biologia, é
uma matéria bem interessante. ─ eu disse.
─ Advocacia também me
parece ser bacana. ─ ele disse fechando o guarda-chuva assim que chegamos ao
terminal urbano. Por sorte, todos os ônibus estavam ali e eu não teria de
esperar.
─ Eu amo advocacia, estou
trabalhando no escritório de Humberto Ferreira, já deve ter ouvido falar. ─
suspeitei, Humberto era muito conhecido na cidade.
─ Sim, me lembro vagamente
deste nome.
Olhei para as plataformas
e observei que a minha condução estava saindo em três minutos. O motorista já
se aproximava para ligar os motores do ônibus.
─ Tenho que ir agora
Rafael. ─ disse. ─ O ônibus vai sair em alguns minutos e estou muito cansada,
preciso de uma boa noite de sono. ─ ele riu e eu também.
─ Foi um prazer lhe
conhecer Flávia. Espero que nos encontremos mais vezes por ai. ─ ele me deu um
abraço contido e beijou minhas bochechas.
Arrepiei-me toda ao sentir
seu toque.
─ Com certeza vamos nos
encontrar mais vezes Rafael, tenha uma boa noite. ─ balbuciei subindo os
degraus da escadinha para entrar no coletivo. Ele me observava do outro lado. –
Foi um prazer te conhecer.
Eu sentei-me nos últimos
bancos do ônibus, coloquei meus fones no ouvido e esperei pela saída do
coletivo do terminal urbano. Pelos meus cálculos em menos de quinze minutos já
estaria em casa. Em casa, tomei o bom e velho vinho tinto ao som de um bom
rock. Naquela noite... não consegui parar de pensar nele.
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