Eu
havia me levantando super cedo para ir ao trabalho. Era minha segunda semana
como secretária de um escritório de advocacia do centro da cidade onde morava –
Passos, em Minas Gerais -, eu morava sozinha e finalmente podia fazer tudo o
que me viesse à cabeça, poderia tomar conta de meu próprio nariz e fazer minhas
próprias escolhas, me responsabilizando pelos meus atos. Desde os quatorze
anos, eu sempre me vi como a dona do mundo, a dona da razão, nunca podia estar
errada! Apenas por isso, já era um motivo para discussões. Sim, eu era um
adolescente insuportável, mimada, e cheia de defeitos como todo mundo, peitava
qualquer um que aparecesse em minha frente sem medo. Quando fiz meus dezoito
anos, dei graças a Deus por ter mudado o meu jeito de ser. Não que eu quisesse
mudar para agradar, mas é que ao passar dos tempos você vai crescendo, vai
conhecendo pessoas e culturas diferentes, jeitos e modos distintos de pensar e
agir. Chega uma hora em que você, para e pensa no que quer realmente para sua
vida, e nessa hora você amadurece e percebe o real sentido da vida. Hoje em
dia, eu me pergunto e até comento com meus melhores amigos de que adiantou ser
dura, fria, seca e revoltada com as pessoas ao meu redor. Nada. Nada adiantou,
era apenas uma fase revoltada em que eu me encontrava querendo fuzilar todo o
mundo – sem exceções. Se bem que tudo isso tinha um motivo. O mal dos quinze
anos é assim que eu me refiro quando falo do primeiro amor e da primeira
relação. É claro que houve bons momentos, mas estranhamente, não sabia o porquê
aquilo me atormentava tanto, somente os momentos desagradáveis que passamos
juntos retornavam em minha mente turbulenta.
Eu
olhava pela janela do prédio onde se localizava o escritório onde trabalhava, o
céu estava negro e repleto de nuvens pesadas e densas. A chuva caia
descontroladamente, e eu me peguei pensando em como faria para ir embora – meu
carro estava no conserto. Para tudo havia uma solução, então decidi pegar um
ônibus para voltar para casa ao fim de meu expediente, o terminal urbano não
ficava tão longe assim, conseguiria descer a pé e apanhar o coletivo. Se isso
estivesse acontecendo naqueles tempos em que eu estava revoltada, certamente
iria ligar para meus pais e pedir que me buscassem, como eu dizia naquela
época: “Preciso que alguém venha me buscar, agora! Não vou descer nessa chuva e
muito menos me molhar.” Sim, eu era uma completa idiota.
Ao
passar do dia, a chuva parecia aumentar cada vez mais e aquilo começava a me
atormentar. Quando bati os olhos no relógio, e percebi que já havia chegado a
hora de ir para casa, uma sensação de alivio e de dever cumprido me envolveu.
Eu havia conseguido fazer tudo o que meu chefe havia ordenado, organizado as
pastas e feito dois relatórios sobre a última semana do escritório. Tudo estava
feito, e o fim de semana me aguardava. Eu iria pegar o carro e ir para a casa
de campo dos meus avôs no Sul de Minas Gerais em uma pequena cidade chamada
Caldas, onde – graças ao meu avô, muito conhecido – conheço muitas pessoas e
tive o prazer de conquistar grandes amizades. Amizades essas, que com certeza
são para a vida toda, sem sombra de dúvida. Guardei as pastas e documentos
dentro de minha bolsa e desliguei o computador. Já estava quase anoitecendo
quando fechei o escritório, Humberto, meu chefe havia saído horas mais cedo,
pois teria uma reunião e em seguida uma viagem com sua esposa e seus dois
filhos gêmeos. Eu sorria só de imaginar o meu fim de semana se aproximando cada
vez mais. Reencontrar com meus familiares e amigos que não os via há um bom
tempo era uma sensação inexplicável.
A
chuva tinha aumentado mais depois que havia olhado ela caindo
descontroladamente pela janela do escritório. Passei uma blusa de moletom pela
cabeça e corri para baixo de um toldo de uma dessas lojas de manutenção de
computadores que ficava bem em frente ao meu local de trabalho. Do jeito que
aquela chuva estava caindo, não tinha como sair correndo pelas ruas para chegar
até o terminal urbano, se o fizesse mesmo assim chegaria toda ensopada ao meu
destino, e se molhasse as pastas dentro da bolsa, acho que perderia o meu
emprego no dia seguinte.
Os
minutos se passaram rapidamente sem que eu percebesse que já eram quase oito
horas da noite. Mandei um torpedo de boa noite para minha melhor amiga e
esperei por sua resposta. A cada segundo que passava parecia que aquela chuva
aumentava mais e mais, diversas vezes eu tentei sair correndo, mas algo me
prendia àquele lugar. A chuva diminuía um pouco e lá ia eu tentar ir embora
para casa, quando de repente ela voltava a cair descontroladamente me fazendo
ficar onde estava. Eu respondia há um torpedo de Alice quando ele me chamou:
-
Você vai descer para o terminal urbano também? – ergui os olhos e encontrei os
deles me encarando instintivos. Ele era alto, não muito magro e aparentava ter
uns vinte e seis anos, olhos castanho-esverdeados e sorria. Um sorriso lindo
por sinal. Ele segurava um guarda-chuva preto para se proteger da chuva que
ainda caia fervorosamente.
-
Vou sim. – respondi timidamente.
-
Quer vir comigo? – ele perguntou indicando que ainda havia espaço para mais um
embaixo de seu guarda-chuva extragrande.
-
Posso?
-
Claro. – balbuciou ele. Guardei o celular em minha bolsa e esqueci-me de
terminar de responder ao torpedo de Alice, corri para baixo do guarda-chuva e
assim descemos pela rua iluminada. – Sempre tem espaço para mais um. Saindo do
trabalho agora? – ele puxou conversa. Estava envergonhada demais para puxar
algum tipo de assunto. Sempre fui péssima com isso.
-
Sim, dia cansativo. – respondi simpática. – E você?
-
Também, o dia foi mesmo muito cansativo... essa vida de professor ainda vai
acabar comigo. – ele brincou conseguindo me arrancar um sorriso sincero.
-
Um bom vinho tinto ao som de Would It
Matter, minha música preferida. É tudo o que preciso para descansar do
trabalho do escritório e espairecer um pouco.
-
Ainda não me disse seu nome. – ele me lembrou.
Eu
sorri.
-
Prazer, Flávia Albuquerque. – eu me apresentei enquanto continuava a andar.
-
O prazer é todo meu... – ele parou de repente, e me encarou profundamente. –
Rafael Macário, professor de biologia.
-
Eu gosto de Biologia, é uma matéria bem interessante. – eu disse.
-
Advocacia também me parece ser bacana. – ele disse fechando o guarda-chuva
assim que chegamos ao terminal urbano. Por sorte, todos os ônibus estavam ali e
eu não teria de esperar.
-
Eu amo advocacia, estou trabalhando no escritório de Humberto Ferreira, já deve
ter ouvido falar. – suspeitei, Humberto era muito conhecido na cidade.
-
Sim, me lembro vagamente deste nome.
Olhei
para as plataformas e observei que a minha condução estava saindo em três
minutos. O motorista já se aproximava para ligar os motores do ônibus.
-
Tenho que ir agora Rafael. – disse. – Minha condução está saindo em alguns
minutos e estou muito cansada, preciso de uma boa noite de sono. – ele riu e eu
também.
-
Foi um prazer lhe conhecer Flávia, espero que nos encontremos mais vezes por
ai.
-
Com certeza vamos nos encontrar mais vezes Rafael, até mais. – balbuciei
subindo os degraus da escadinha para entrar no coletivo. Ele me observava do
outro lado. – Foi um prazer te conhecer.
Eu
sentei-me nos últimos bancos do ônibus, coloquei meus fones no ouvido e esperei
pela saída do ônibus do terminal urbano. Pelos meus cálculos em menos de quinze
minutos já estaria em casa.
Naquela
noite... não consegui parar de pensar nele.
Escrito por: Gusttavo de Assis
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