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PRÓLOGO


Vale das Almas, Inglaterra.
Outubro de 1854.
Robert estava com a filha de um camponês às margens do lago das Almas. A floresta estava sob uma camada densa e fria, e uma tempestade estava prestes a chegar. A noite estava caindo lentamente e a jovem podia observar o crepúsculo por detrás das montanhas, que o cercavam de todos os lados. Ela não sabia o que fazer, não tinha mais forças para andar, e se continuasse ao lado de Robert sua vida estaria ainda mais em perigo. Longe de seus pais, ela não tinha muitas escolhas a fazer, e entre viver ou morrer, ela preferia ficar com a primeira alternativa.
      Ela ergueu a barra de seu longo vestido branco, com as pontas sujas de lama, e iniciou uma corrida pela vida, mesmo parecendo impossível. Quem não lutaria pela sua própria vida? Os riscos eram grandes, mas, se não tentasse, como ela saberia que o final valeria a pena?
      A noite então caiu sobre eles. A tempestade ainda não havia chegado, mas a escuridão da floresta era horripilante, escuro o bastante para que ela não enxergasse absolutamente nada, não saberia quando morreria, e nem sabia se continuaria viva. Por um momento ela olhou para o céu estrelado e viu uma estrela cadente caindo do outro lado, rapidamente fechou os olhos e pediu a Deus para que a deixasse viva, lágrimas quentes escorreram de seus olhos e ela as limpou com as costas da mão. Quando ouviu passos atrás de si, um breve arrepio surgiu e atravessou seu corpo, a deixando mais amedrontada.
      – Quem está aí? – ela disparou com a voz trêmula. Não queria ter dito aquilo, mas quando percebeu era tarde demais. Ela queria correr, gritar por socorro mesmo que seu esforço fosse em vão, mas queria tentar lutar pela vida. Mas uma força sobrenatural a segurava naquele lugar, em frente a uma caverna fria e opaca.
      O silêncio tomou conta da floresta novamente, e a cada minuto naquele lugar ela ficava com mais medo do que poderia acontecer. Não sabia se era Robert quem estava atrás de si, ou até mesmo um caçador.
      Ela repetiu a pergunta, só que dessa vez mais alto, e com voz determinada. Fechou os olhos e os apertou levemente, torcendo para que tudo fosse apenas um pesadelo. Mas, não! Quando abriu os olhos, à sua frente havia uma criatura com os olhos brancos que cintilavam à luz do luar e asas brotavam de suas costas. Um anjo! Ela pensou consigo, aturdida, sem entender absolutamente nada. Um novo arrepio se deu em sua coluna vertebral e ela se desesperou mais, quando viu algo acertar a criatura que estava à sua frente. Uma flecha!
      Rapidamente ela se virou para trás e então pode ver quem havia feito tal coisa. Ela não conseguia ver o rosto de quem estava mais à frente. Recuou dois passos para trás e quase adentrou pela caverna.
     – Vá embora daqui – a voz soou entre dentes. Era um garoto, sua voz era doce e suave, parecida com a voz de um anjo.
      – Quem é você? – ela perguntou o encarando, a fim de encontrar algum traço que pudesse reconhecer de sua feição.
      – Eles estão atrás de você – alertou-a.
     – Eles quem? Pelo amor de Deus, o que está querendo dizer com isso? – ela implorou por uma resposta.
      – Não tenho como explicar agora! – falou. – Pegue este lampião – ele a entregou um objeto grande do qual, de dentro dele, saía um lampejo de luz amarelo. – Siga por essa trilha e suba ao alto de uma colina, você verá uma pequena estação de trem, pegue o primeiro que passar e siga para Dominic Alfie.
      – Mas eu não sei onde essa cidade fica! – avisou sem rodeios.
     – Não pergunte nada – ele disse determinado e sua voz soou mais impaciente do que pensava. – Apenas faça o que eu ordenei, e assim você ficará... – ele parou repentinamente.
      – Ficará o quê? – ela insistiu.
      – Esqueça! – ele balançou a cabeça em negativa. – Agora vá, não faça perguntas, vá, siga por essa trilha e depois suba uma colina, ao encontrar a estação corra para dentro do trem e não fale com ninguém, exceto o motorista – ele avisou a ela, cada palavra que saía de sua boca a deixava ainda mais amedrontada e confusa.
      – E depois o que eu faço quando chegar a essa cidade? – perguntou com uma ponta de desespero.
      Não houve resposta.
      A última coisa que viu foi um flash branco que brotou do fundo de sua mente.
      E então ela desmaiou. 



Capítulo 1


Dominic Alfie, New Hampshire 
Dias Atuais

Minha mãe me levou até o edifício McConaughy com as janelas do carro abertas, o céu era de um negro intenso e as estrelas brilhavam feito mil diamantes. Eu vestia meu short jeans desfiado, uma blusinha regata branca e meu all star, meu cabelo pendia pro lado esquerdo e eu estava usando uma lente cinzenta que havia comprado no verão passado... aquela leve brisa de início de noite soprava em meu rosto docemente. Desde quando saímos de casa, há quinze minutos, tenho evitado cruzar com o olhar de mamãe. Nunca gostei de despedidas, isso era uma das coisas que sempre odiei. Mamãe se fazia de forte, mas eu sentia que isso era apenas um muro construído por ela mesma, para não demonstrar insegurança. Ela segurou as lágrimas durante todo o caminho, mas às vezes deixava escapar alguns soluços repentinos.
Mamãe se parecia muito comigo, a não ser pelas rugas de expressão, seu cabelo negro caía sobre seus ombros e seus olhos verdes cintilavam à luz da lua. Era triste ter de me despedir deles, sentirei falta dos puxões de orelha que papai me dava, das inúmeras discussões que eu e mamãe tivéramos. É dos pequenos detalhes que sentirei falta, quando tudo se for.
Ela puxou o freio de mão e estacionou o carro em frente ao edifício. Essa era a hora da despedida, e eu não teria como fugir disso.
– Filha... – chamou mamãe com a voz doce de sempre, seus olhos estavam encharcados de lágrimas que ameaçavam cair. – Tem certeza de que quer fazer isso?
– Luce Grindelwald – falei em tom de falsete, imitando sua voz quando ela chamava minha atenção. Um riso breve. – É claro que eu tenho certeza, mamãe, só a senhora sabe o quanto eu queria uma vaga no Howlett!
– Sim, eu sei – falou finalmente. – Mas é que aquela casa nunca mais será a mesma sem você por perto.
– Mãe... – soltei uma das mãos para ajeitar o cabelo de minha mãe, prendendo uma mecha atrás da orelha. Em seguida, lhe dei um grande abraço. – Eu ligo assim que puder. Fique tranquila, a gente vai se falar muito pelo telefone.
– Olha... – ela pegou sua bolsa e tirou cerca de quinhentos dólares, e enfiou-os no centro de minha mão. – Peguei esse dinheiro antes de virmos, dei uma passadinha no banco – explicou-se. – Sei que você vai precisar, mas – mamãe ponderou a fala erguendo o dedo indicador em alerta – só use quando for realmente necessário, não gaste com coisas supérfluas.
– Tudo bem, não vou gastar – eu disse, abrindo a porta ao meu lado e saindo. – Diga ao papai que já estou com saudades.
– Digo sim.
– Amo você – foi a primeira vez em toda a minha vida que disse “amo você”, sempre tive medo de pronunciar essa palavra. É uma palavra forte demais, e tem de ser dita para a pessoa certa.
– Também te amo querida.
– Tchau.
Mamãe ligou o motor e pisou fundo no acelerador, em poucos segundos o carro já havia desaparecido na rua. Olhei para o edifício McConaughy e respirei fundo. Limpei as lágrimas que estavam caindo com as costas da mão e suspirei.
– Pois é... agora não tem como escapar! – disse a mim mesma me encorajando. Eu não conhecia nenhuma das garotas que moravam ali, papai não deixou que eu as visse, nem o apartamento. “Quero que seja tudo uma grande surpresa!”, foram as palavras que ele usara quando falou comigo sobre a república.

APARTAMENTO 150 SEGUNDO ANDAR.

Segui pelo elevador até o andar do apartamento. Meu nome já estava na portaria, o que me surpreendeu um pouco. Eu estava ansiosa por dentro, queria conhecer minhas novas colegas de república, na verdade é a primeira vez que ia morar em uma república. Espero que seja uma boa experiência. Quando cheguei ao andar, olhei para a porta a minha frente, respirei fundo mais uma vez e disse que tudo ficaria bem, que era só ter fé.
Toc-toc.
Bati duas vezes sobre a porta levemente, acho que se batesse mais do que isso elas pensariam que eu estava nervosa – e de fato estava.
– Olá – disse a menina do outro lado com entusiasmo. – Você deve ser Elizabeth Grindelwald, certo?
– Certo! Mas pode me chamar de Lizzy – senti-me corar de contentamento. Não sabia muito bem o que fazer numa hora dessas.
– Entre! – ela disse, abrindo espaço. – O apartamento não é tão grande para quatro meninas, mas a gente consegue sobreviver – ela riu de sua piada e eu também. Gostei dela.
Nós entramos. Para quem disse que o apartamento era pequeno, era muita humildade da parte dela, ou ela queria me impressionar com seu senso de bondade.
– Que isso... é até melhor do que pensava! – confessei. – E então, quem mais mora aqui?
Uma menina, loura de olhos verdes, saiu de dentro de um dos cômodos, ela estava enfiada em um roupão de banho branco e me encarava.
– Oi – ela disse, com um sorriso torto, simpático. – Sou Elen, seja bem vinda, você é... – suas palavras ficaram no ar, instigando a dizer meu nome.
– ... Elizabeth. Elizabeth Grindelwald – agradeci com um sorriso torto, eu estava me contendo, se eu as conhecesse, não estaria tão formal como estava agora. Queria gritar de alegria.
Elen, então, saiu da sala e se dirigiu ao banheiro cantarolando a música Angel With A Shotgun do grupo The Cab pelo corredor.
– Ah, Samantha está na lanchonete, daqui a pouco ela está de volta. Ela é legal também, creio que gostará dela – esclareceu ela, foi então que me lembrei de que eu não sabia seu nome. Sou péssima guardadora de nomes! Será que eu perguntei seu nome? Bom, se não...
– Como se chama? – perguntei, olhando em volta do apartamento, observando cada recanto do mesmo, cada detalhe.
– Amy. Amy White! – ela sorriu torto, seus olhos encontraram os meus e se firmaram, eles eram lindos olhos azuis, que brilhavam intensamente.

¥

– Alguém pediu lanches e refrigerantes? – gritou uma voz feminina vinda da sala, presumi que era Samantha, tinha cabelos em tom castanho e era meio alta, não mais do que eu. Ela trancou a porta e correu para a cozinha para descarregar as sacolas e passou por mim despercebida.
Eu havia acabado de dobrar minhas últimas roupas e as guardado no guarda-roupa, por sorte ficaria no mesmo quarto que Amy. Corremos até a cozinha espaçosa, as paredes tinham efeito grafiato em tom amarelo. Samantha, assim que sentiu minha presença, me olhou de soslaio e me avaliou da cabeça aos pés.
– Oi... eh... você é a Sally, não é? – ela chutou. Colocou as duas garrafas de Coca-Cola na geladeira, se sentou à mesa e ficou me encarando de modo estranho.
– Não. Sou Elizabeth.
– Seja bem vinda, querida! Olha, fique à vontade mesmo, ok? Não precisa se sentir envergonhada, no começo é assim mesmo, mas logo você se acostuma! – ela sorriu e veio até mim com passos tranquilos.
Foi então que eu olhei fundo em seus olhos, por mais simples que fossem me transportavam para um outro lugar...
– Oh, seus olhos são lindos – continuou Samantha, acariciando minha pele suavemente. – Você usa lentes, não é? – perguntou.
– É a primeira vez que uso essas lentes que comprei em Nova Orleans – falei timidamente, cutucando as pontas dos meus dedos. – Eu gosto de me ver com esses olhos – finalizei.
– São realmente muito bonitos. Pena que são lentes – ela falou com um tom meio rude na voz, mas logo sorriu e apontou para os lanches que estavam sobre a mesa. – Vocês vão esperar esfriarem para poder comer? – brincou.
– Claro que não! – disparou Amy, correndo à mesa para pegar o seu. – Você pediu quais sabores, Sammie? – perguntou.
– Todos são do mesmo sabor.
– Mas e se a Elizabeth não gostar desse sabor que comprou? – interferiu Elen. Nesse momento me senti envergonhada, baixei minha cabeça e comecei a fitar o chão, o piso branco lustrado recentemente cheirava a lírios.
– Eu não sabia que ela chegaria a república hoje – esclareceu, me olhando acanhada. Ergui a cabeça e olhei para ela, abri a boca para dizer alguma coisa mas preferi ficar quieta. – Desculpe Elizabeth! – seu rosto corou junto com o meu, tinha certeza que estava pior que um pimentão.
– Não, não precisa se desculpar, Samantha! – falei constrangida. Estava sentindo uma pontinha de fúria, mas guardei para mim mesma. – Eu gosto tanto de lanches que não me importo com o sabor.
– Ainda bem – ela suspirou aliviada com a mão pausada sobre o coração. – Então, vamos comer, meninas? Nosso cheeseburguer não pode esperar! – sorriu de novo.
Elen se servia de Coca e Amy distribuía os lanches nos pratos com cuidado. Samantha pegou os copos no armário e os pôs na mesa de cristal, as cadeiras brancas circundavam a mesma. Eu estava só observando e me senti estranha por todas estarem fazendo alguma tarefa e eu aqui sem ajudar em nada.
– Querem ajuda? – eu perguntei.
– Não precisa – murmurou Samantha, me olhando pelo canto do olho. – Você já desmanchou muitas malas hoje, deixe que hoje nós arrumamos tudo – concluiu.
– Mesmo? – insisti.
– Claro – interferiu Elen.
Samantha distribuiu a Coca pelos copos, fazia tanto tempo que não comia um lanche que nem lembrava bem como era o sabor. Pegamos os pratos e corremos para a sala, colocamos um filme no projetor e nos sentamos no sofá de couro branco. Como de costume, cruzei as pernas e meus olhos ficaram vidrados no filme, que por sinal era muito bom. Um Lugar Chamado Nothing Hill. Era a primeira vez que estava vendo esse filme, e estava adorando. Tive vontade de chorar em algumas cenas, que me faziam lembrar meus pais, Luce e Miguel, estava morrendo de saudades deles, mas contive as lágrimas e continuei a ver o filme.
Eu já estava satisfeita e tomei um gole de Coca-Cola gelada por cima para refrescar, estava muito quente ali dentro.
Samantha se levantou correndo e foi para seu quarto, pensei que ela estivesse triste com alguma coisa, mas não. Saiu de lá com um colchão de casal grande felpudo e o jogou em cima do tapete persa da sala. Elen e Samantha se jogaram no mesmo e relaxaram.
Algumas horas mais tarde o filme acabou, esperei que uma das meninas se levantasse para retirar o filme do projetor, mas nenhuma se levantou. Inclinei-me pelo sofá e olhei para Samantha e Elen, elas estavam dormindo como pedra, assim como Amy.
Andei até a projetor, retirei o filme de lá e o guardei na capa do DVD. Apaguei a luz e desliguei o projetor, por um momento pensei em chamá-las para dormirem no quarto, mas achei que seria ruim. Decidi não dormir no quarto também, acho que elas achariam uma coisa chata da minha parte, de as deixar dormindo na sala enquanto eu relaxava na cama.
Enquanto andava até a cozinha para pegar um copo de água, houve um barulho repentino na porta de entrada. Um arrepio se deu em minha coluna vertebral. Voltei meus olhos para o relógio em meu pulso, já passava da meia-noite. Quem poderia ser?
Corri até a porta silenciosamente para não acordar as meninas. Olhei pelo olho mágico: ninguém. Um novo arrepio atravessou meu corpo todo dessa vez. Abri a porta devagar, olhando pelo corredor vazio e silencioso. Não havia quaisquer indícios de que alguém estivera ali.
Um bilhete.
Peguei o papel e vi que minhas mãos tremiam. Era uma folha de caderno exatamente como a que eu usava no colégio. A mensagem parecia ter sido escrita às pressas com um pincel atômico preto.

PARA ELIZABETH:
SE VOCÊ ACHA QUE SUA VIDA ESTÁ DIFÍCIL, VOCÊ AINDA NÃO VIU NADA...

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